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A mostrar mensagens de 2010

Apagar o rasto do ano velho, deixar entrar o ano novo

Nestes últimos dias do ano tenho sempre a mesma sensação. Há uma emergência que paira no ar e na atitude das pessoas. Há uma ânsia colectiva focada no desejo de que o ano velho se vá embora depressa e leve consigo tudo o que de mau aconteceu. Em simultâneo, parece haver em cada pessoa (e eu não sou excepção) a doce ilusão de que naquele limiar entre a 11ª e a 12ª badalada tudo vá renascer. E ao acordar, na manhã tardia do dia 1 de Janeiro, damo-nos conta que tudo não passou disso mesmo – uma ténue, muito ligeira mesmo, ilusão. Mas vale pela festa. Mesmo aquela que se faz sem sair de casa, ao ritmo dos anúncios da TV. Vale pelas horas de descompressão cerebral, entre um e outro flute de champanhe (ou espumante, conforme a disponibilidade). Vale uma ou outra gargalhada que acaba por se soltar, nem que seja com a anedota do avô ou de algum velhote que passe o ano ao nosso lado. Vale sempre pela esperança de que uma mudança magnética súbita vá redireccionar as nossas vidas, colocando-as p

Um banho de imersão com Deus

Naquele dia, dirigi-me para o jacuzzi como que em busca da salvação. Há muito que ansiava relaxar. O peso de um ano de trabalho, de problemas e obrigações parecia agora insuportável. Um saco cheio, prestes a rebentar, caso não fosse despejado a tempo. Estava no limite. Tinham acabado de se me esgotar as forças e os meus movimentos reflectiam isso. Movia-me quase em câmara lenta, como um robot cujas pilhas estão prestes a descarregar por completo. Subi os degraus e saltei sem hesitar para a abundante banheira de água quente. Ao tocar na minha pele submersa, os revoltos jactos de água cruzados provocavam-me uma estranha sensação de calma misturada com prazer. Imaginei que a cada bolha que emergia, acabando por rebentar, correspondia um problema. E eu assistia deliciada àquele espectáculo pirotécnico de bolhas de água efervescentes. Umas vezes, rebentavam ao chegar à superfície. Noutras, dissolviam-se na própria água. Por vezes, pareciam até evaporar-se através da fina cortina de vapor qu

O lado bom da crise

Pode parecer um lugar comum, mas a vida têm-me ensinado que é nos piores momentos que se aprendem as melhores lições. Foi com base neste pressuposto que me ocorreu analisar a crise económica - de que todos falam mas poucos entendem - à luz do que, a meu ver, é realmente essencial. Na verdade, mais do que tentar perceber quem provocou a crise e como vamos sair dela, importa analisar a situação e despertar a nossa consciência para o que todos andamos a fazer de errado. Porque se queremos realmente falar de culpa, os reais culpados somos todos nós. Não sei bem há quantos anos foi - ainda por cá ando há relativamente poucos - que o ser humano deixou de assentar a construção do seu bem-estar apenas na satisfação das necessidades básicas. Houve um dia em que o homem acordou e começou a projectar no que possuía a fonte da felicidade suprema. E assim se criaram as mais variadas necessidades desnecessárias. Crianças que crescem solitárias, compensadas com milhares de brinquedos; Homens que se e

Dia de festa na ilha do tio Jardim

Contemplo deslumbrada a chuva de cores que cai do céu. O fogo de artifício ateado sobre a baía do Funchal é, muito provavelmente, um dos mais bonitos do Mundo Os foguetes são disparados de dentro de um batelão, que quase não se vê. Por instantes, chego a pensar que o espectáculo pirotécnico nasce do fundo do mar. É de facto um presente assistir ao famoso fogo de artifício da Madeira, mesmo não sendo noite de passagem de ano. É apenas o culminar de um dia de festa, um dia muito especial para o concelho do Funchal. Hoje, dia 21 de Agosto, celebra-se o dia do Município. Descubro o programa de festas num prospecto que me chega às mãos dentro do hotel. Há muito para ver e ouvir antes que o dia se faça noite. Fixo-me num acontecimento que desperta em mim um misto de curiosidade e interesse: a cerimónia que reúne as figuras ilustres na praça do município. É lá que estará presente o grande líder madeirense. Hoje apetece-me apelidá-lo de tio Jardim. Ir à Madeira e não ver o tio Jardim é quase c

Um pão chamado bolo

Mal acabo de me sentar à mesa para aquela que seria a minha primeira refeição na Ilha da Madeira, sou violentamente confrontada com um cesto de pão. Uma massa quente, estaladiça por fora (meio esturricada até) e fofa por dentro, emana um salivante aroma. “ É o famoso bolo do caco” – apressa-se a esclarecer o empregado de mesa, com o visível orgulho de quem introduz um ex-líbris da região a toda a gente com aspecto de turista. “Com manteiga de alho é muito bom”, acrescenta, com o seu sotaque tipicamente madeirense, enquanto aponta discretamente para uma manteigueira de loiça que se destaca sobre a mesa. Descobrirei mais tarde, após experimentar mais de uma dezena de bolos do caco, todos em sítios diferentes, que este primeiro seria o meu preferido, exactamente por não vir recheado do que quer que fosse. Serei louca por toda a minha vida ter adorado comer pão às secas? Juro que adoro, não me perguntem porquê. Chego a ficar com soluços, por empurrar com insistência, movida apenas por sali

Uma praia de pedras rolantes

Cinco da tarde de um dia ameno de final de Agosto. No regresso ao hotel, após um dia de longos passeios pela cidade do Fuchal, improviso um novo percurso. Desemboco numa ruela que me conduz ao mar. Encostada ao corrimão cimeiro onde acaba a rua e começa a praia, assisto deslumbrada a um espectáculo inédito e gratuito. Dezenas de crianças saltam e gritam, raiando felicidade enquanto chapinham à beira-mar. Um cenário perfeitamente normal, não fosse tratar-se de uma praia onde os pés, em vez de areia macia e dourada, pisam calhaus. Duras e frias pedras vulcânicas, de tom escuro, onde se sobrepõem toalhas e corpos molhados sobre elas, como se de um confortável colchão se tratasse. Ao ver a felicidade genuína daqueles meninos, ao deixar-me contagiar por ela, consigo confirmar que de facto a felicidade vive guardada, escondida até, dentro das mais pequenas coisas. Felizes dos ignorantes, sempre ouvi dizer… e tem o seu quê de verdade. Aquela praia, a única que conhecem e que alguma vez tiver

Noventa euros em frutos tropicais

Saborear um fruto exótico pode ser uma experiência inesquecível mas longe do alcance de todas as carteiras Há quem diga que a melhor forma de conhecer um local e as suas gentes é deambular a pé pelas ruelas que se entrecruzam à nossa volta e visitar o mercado municipal. E foi isso mesmo que fiz no primeiro dia de visita ao Funchal. Saio do hotel, localizado no coração do centro histórico, e começo a atravessar ruas aleatoriamente. Começo por seguir pela principal e depois arrisco atalhos pelas perpendiculares, à procura de pessoas e de casas com portas e janelas entreabertas por onde possa espreitar. Liberto toda a curiosidade que se esconde em mim e dou-lhe trela. Quero que seja ela a puxar por mim e por isso deixo-me guiar pelo seu instinto. Sem que tenha andado mais de 500 metros, dou comigo à entrada do mercado municipal. Na fachada leio a inscrição “Mercado dos Lavradores”, mas depressa descubro que este mercado é sobejamente conhecido pelo mercado das flores. Basta atravessar o p

Turismo na Madeira: 5 estrelas

A primeira impressão que tive da ilha da Madeira poderia muito bem ser resumida em três palavras: organização, perfeccionismo e excelência. Os elogios não devem ser poupados quando são merecidos. E o povo madeirense merece-os todos, pelas mais variadas razões. A começar pela forma arrumada como as habitações se foram erguendo socalco sobre socalco, monte acima, compondo a enorme plateia do anfiteatro que se ergue sobre a baía do Funchal. Talhando pedra basáltica, ergueram casas, estradas, túneis e pontes. Não é de admirar por isso que a cidade esteja completamente recomposta das cheias que há seis meses varreram pessoas, casas, estradas, muros e tudo mais o que a força da água encontrou pela frente. A água mole tanto bateu na pedra dura que conseguiu provar que afinal quando pode até que fura... De cabeça erguida e mãos à obra, os madeirenses parecem não perder muito tempo a chorar. De olhos no futuro, focados no que é essencial, rapidamente deixaram afogar as mágoas na força da mar

Pousar sobre a “Pérola do Atlântico”

Aterrar no Aeroporto da Madeira é simplesmente medonho. Assim que o avião perde a altitude suficiente para conseguir avistar aquilo que, lá do alto, me parece uma micro-pista de brincar, a euforia da chegada dá repentinamente lugar ao medo. Uma secura súbita apodera-se-me da garganta e a ansiedade crescente em saber se os meus pés voltarão a tocar terra firme faz com que o coração acelere a uma velocidade superior à máxima atingida pelo avião no pico da viagem. Apesar da deslumbrante vista sobre o Oceano Atlântico, opto por fechar os olhos assim que me apercebo da libertação bem sucedida do trem de aterragem. O piloto é experiente e o avião pára muito antes do final dos quase 3 Km que desembocam no mar. Nem quero imaginar como seria quando a pista tinha metade da extensão actual. Não terá sido por acaso que ocorreu aqui, no Aeroporto da Madeira, em 1977, o mais grave acidente da história da aviação em Portugal, no qual 131 pessoas perderam a vida. Assolados por um sentimento comum, os

Canção de embarcar

3º Prémio - Modalidade Prosa - Concurso Literário "Cantar Portugal em Prosa e Verso" do Elos Clube de Faro Do alto de um imenso rochedo, avisto um mar imenso, de um azul intenso, a perder de vista. Antes de se esconder de vez, o Sol beija o mar, ao de leve, com respeito. E eu espreito, por cima do ombro, enquanto suspeito que o perigo se aproxima. É apenas o medo. Do alto deste imenso rochedo, sou Infante, eterno gigante, saudoso das ondas vencidas, memórias perdidas no fundo do mar. Longe vão os tempos em que fui herói. Fui exemplo seguido por pegadas anónimas, que livremente decidiram acompanhar-me rumo ao desconhecido. Hoje sou mera lembrança, recorte de esperança, que serve de consolo a quem já nada tem, nem sonha, nem sente. Quando mais nada nos resta, sobra-nos o mar. Esse eterno meio de fuga que leva gente e traz saudade. Saudade, essa palavra tão vasta, nefasta, que é só nossa, que nos pertence como um fado que temos de carregar. Um fardo, pesado, demasiado grande par

O Meu Pai

Lembro-me de como me acordavas, de forma irritante, puxando-me os dedos dos pés. Era uma forma original de dizer em silêncio “salta da cama”. Aliás, os teus silêncios sempre me disseram mais que as tuas palavras parcas, nem sempre muito doces. As nossas conversas sempre foram pontuais, casuais mas sempre muito regeneradoras das feridas causadas pelos percalços da vida. As tuas palavras, meu Pai, as tuas poucas palavras sempre foram sábias. Sempre tiveste explicação e solução para tudo. Quando eu tinha uns dez anos, recordo-me de ter dificuldade em adormecer. Temia o simples facto de fechar os olhos. Tinha medo de adormecer e morrer durante o sono. E depois, lutava contra o cansaço, ao ponto de ficar acordada, depois de toda a família ter já adormecido. Em pânico, rumava ao vosso quarto e tentava acordar-vos, de mansinho, sem sobressaltos. “Mãe, Pai, está toda a gente a dormir e eu estou sozinha no mundo!” – soluçava, entre uma e outra lágrima que me escorria pelo rosto. Foi numa dessas

New York, I Love You – Day 5 – The last day

O último dia de uma viagem é sempre carregado de alguma melancolia. Uma saudade antecipada do que se vai deixar para trás. Uma saudade incontrolável de quem espera por nós. E sempre a incerteza sobre se a viagem de regresso irá terminar bem. Depois de sermos pais, penso que o maior medo é o de nunca mais voltarmos a ver os nossos filhos. Durante esta viagem pensei nisto milhares de vezes. Há que abandonar o hotel até ao meio-dia. Faço o check-out por volta das nove e peço para me guardarem a mala até às 13h, altura em que terei obrigatoriamente que partir rumo ao aeroporto. Entretanto, ainda tenho tempo para tomar um café, dar mais um passeio e almoçar perto do hotel. Decido experimentar o “Bubba Gump” – um restaurante inspirado no filme de 1994 “Forrest Gump”, brilhantemente protagonizado por Tom Hanks, merecidamente galardoado com um Óscar da Academia. Este restaurante, cuja especialidade é marisco, oferece um vasto menu de iguarias, desde o camarão frito a uma fantástica sopa chama

New York, I Love You – Day 4

Acordo para o quarto dia quase sem sentir as pernas. Conhecer boa parte da cidade sempre a pé começa a abalar, ainda que de forma ligeira, a minha resistência física. Nada que possa fazer esmorecer o entusiasmo crescente que esta cidade desperta em mim. Hoje vou à zona chique. Subo a famosa 5ª avenida em direcção ao Central Parque. Pelo caminho, vou parando embasbacada frente a algumas imagens que sempre inundaram o meu imaginário, graças ao que vejo nos filmes. Passo em frente ao Waldorf Astoria, o hotel mais emblemático da cidade, a par com o Plazza. Vislumbro lustres que caem dos tectos das suites centenárias e sonho um dia voltar a Nova Iorque, podendo pernoitar num destes palácios onde se pode alugar um retiro de luxo por uma ou várias noites. Começam a surgir as lojas dos grandes criadores. Passo pela casa Channel, Louis Vuitton, Dior… As lojas têm à porta seguranças disfarçados de mordomos, o suficiente para afugentar qualquer curioso cujo recheio da carteira não cumpra os requi

New York, I Love You – Day 3

Cabem muitas cidades dentro da cidade de Nova Iorque. Hoje vou explorar uma dessas “cidades”. Apanho um Yellow Cab – um típico táxi nova-iorquino – e indico como destino a Canal Street , junto à Chinatown . Não foi por acaso que assim foi baptizada essa zona da cidade. Um emaranhado de prédios baixos, lojas e letreiros com caracteres chineses desenhados lembram-nos que estamos em território de uma tribo alheia. Uma numerosa comunidade de imigrantes chineses que assentou arraiais na zona baixa da Big Apple . Desço do táxi e, ainda antes de conseguir assentar o pé direito no chão, sou abordada por uma senhora chinesa que literalmente me esbarra a passagem. Repetindo continuamente, num inglês mal arranhado, “purse, wallet, Louis Vuitton”, enquanto exibe uma folha impressa com vários modelos da marca, persegue-me ainda uns metros até desistir de me vender o que quer que seja. Enquanto circulo pelas ruas, vai passando por mim, em câmara lenta, uma sequência quase interminável de lojas de bu

New York, I Love You – Day 2

Tento fingir que o jet-lag não passa de uma expressão chique inventada por quem viaja muito, mas a verdade é que são cinco da manhã em Nova Iorque e não consigo mais pregar olho. Em Portugal, o relógio marca mais cinco horas e o Sol já vai alto. Tenho tempo para pensar em quem deixei para trás. Os mesmos que estarão à minha espera quando regressar a casa. Desisto. Se não consigo dormir, o melhor é aproveitar o dia que desperta do lado de fora da janela. Às sete da manhã, quando saio do hotel, estão 6º C negativos e penso nunca ter sentido tanto frio na minha vida. O frio glaciar soprado pelo vento gela-me o rosto, mas não é suficiente para arrefecer o meu entusiasmo. Preciso urgentemente de um bom pequeno-almoço para retemperar energias. O bar da esquina oferece um extenso buffet e apresenta-se como um refúgio para escapar por uns minutos ao frio que me persegue. Hoje é dia de shopping. Um dos grandes atractivos de Nova Iorque nesta época do ano. Estão a decorrer os chamados “after Chr

New York, I Love You - Day 1

Aterro no Newark Liberty a meio de uma tarde fria de Janeiro. Apesar da baixa temperatura, o céu está limpo. Pela primeira vez, antes do trem de aterragem raspar o solo, consigo avistar os arranha-céus que me acenam do outro lado do rio Hudson. As dezenas de passageiros que há instantes entupiam os estreitos corredores do avião, vão saindo a conta-gotas pela manga que se estende até ao interior do aeroporto. Os semblantes espelham alívio e liberdade. Terminou finalmente o cativeiro de quase sete horas sobre as nuvens. A claustrofobia latente dá lugar a uma onda de libertação. Esta sensação de liberdade dura não mais que uns breves segundos - uma fila quase interminável aguarda por nós nos serviços de imigração. Decorrida uma meia hora e ultrapassada a barreira fronteiriça, recheada de interrogatórios e digitalizações de palmas de mãos e dedos polegares, consigo avistar a rua e entrar num dos muitos táxis que anseiam pôr o taxímetro a facturar. O taxista negro que me conduz exibe orgulh

Resoluções de Ano Novo

Este ano, decidi ser diferente. Não comi 12 passas. Nem pedi 12 desejos ao som das 12 badaladas. Decidi que nem tenho assim tantos desejos para pedir. Afinal, o que posso querer mais da vida do que o que já tenho. Sinto-me tão feliz com o que sou e com o que tenho, que pedir mais me parece puro egoísmo. Prefiro guardar os pedidos extra para aqueles que verdadeiramente precisam deles. Tenho saúde, dinheiro Q.B. e amor para dar e vender. Uma família que me ama e protege. Uma casa bonita e confortável numa das regiões mais desejadas do país. Enfim, tenho mais que o essencial para ser feliz. Desejo apenas viver um dia de cada vez e esperar que a vida me surpreenda. A vida já me ensinou que é esta a atitude certa. Quando esperamos tudo da vida, ela nada nos dá. Quando não se espera nada, tem-se tudo.