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A mostrar mensagens de novembro, 2011

O banco do tempo

“O tempo perguntou ao tempo, quanto tempo o tempo tem? O tempo respondeu ao tempo, que o tempo tem tanto tempo quanto o tempo tem”. E por aqui começa hoje a raiz da minha inquietação transformada em desabafo. Hoje apetece-me falar do tempo. Não do tempo que faz lá fora, mas do outro tempo. Aquele que corre, ora a conta-gotas ora a torrentes desenfreadas. Aquele que nasce e acaba connosco, ou que nos perpetua pelas mãos dos nossos filhos. Sinto hoje que o tempo corre mais veloz que noutros tempos. Os dias colam-se às noites e as noites fazem-se dias sem quase me dar conta de ter feito o que quer que fosse. É tudo tão rápido, descontrolado, escapa-me por entre os dedos… Sinto que somos uma espécie de depósito bancário. Só que em vez de dinheiro, depositam-nos um determinado valor de tempo à nascença. E cada qual, bom ou mau gestor, terá de saber aplicar esse valioso bem da melhor maneira possível. O que terei feito hoje de interessante, pergunto aos meus botões? A resposta não vem. Mas e

O corredor da vida

O som estridente assinala a rotação de números no painel. Olhos grudados nos caracteres de um vermelho luminoso evidenciam um misto de cansaço e desilusão. Ainda não chegou a minha vez, sinto-os pensar em silêncio. Uma senhora deixa escapar um suspiro. “Eu já cá estou desde as oito”, esclarece com um sorriso conformado de quem não tem alternativa. São onze da manhã dentro de um contentor improvisado, disfarçado de ala de hospital. A sala de espera transborda de gente. São muito mais pessoas que assentos. Não há aquecimento nem televisão, nem a famigerada revista cor-de-rosa que tanto aligeira o passar das horas. Aqui falta de tudo um pouco, menos gente doente. Rostos cansados, envelhecidos pela idade e pelo sentir da dor. Bocas de hálitos pesados soltam suspiros. Estômagos vazios e bexigas cheias não se movem receosos de que a vez lhes passe ao lado. Quando finalmente o número da senha coincide com o que surge no ecrã, há um corpo que se arrasta implorando por quem lhe prolongue a vida

A vida num segundo

O que estaria a pensar aquele rapaz, de ar sereno, que atravessava a passadeira no final de mais um dia de trabalho? A noite havia chegado mais cedo. Perto das seis da tarde, já era escuro como o breu. E ele, aquele rapaz sem nome, pára, olha e cruza a estrada, convicto de estar em perfeita segurança. Suspeito que estaria a pensar no filho prestes a sair da escola. Ou talvez ainda nem sequer tivesse filhos. Quem sabe, uma namorada talvez? Devia estar com fome, ansiando por uma refeição quente, quando a temperatura cá fora já vai fria. Caminha tranquilo, vestido de negro. Parece que trabalha numa dessas empresas que instalam televisão por cabo, ouvi dizer. Pára, escuta e olha. Um carro pára também. Ele atravessa. Um outro carro, em sentido contrário, não o vê. O som parece o de um pontapé, de alguém muito irritado, num pedaço de latão. Um vulto negro levanta voo e aterra violentamente à minha frente. Corpo inerte, rosto mergulhado em sangue, uma multidão que se avoluma como formigas. O

Estávamos todos à tua espera

No dia em que chegaste a este mundo, estava eu numa outra festa de aniversário. No instante em que o sopro apagou as velas e um sonante aplauso ecoou na sala, não sabia sequer que já tinhas nascido. Suspeitava, porém, que isso estava prestes a acontecer. Tentava distrair-me a todo o custo. De copo na mão, quase me obrigava a abanar timidamente o tronco ao ritmo da música alegre, que contrastava de forma evidente com o meu semblante baço e distante. Queria ignorar, esquecer, apagar da minha memória o dia em que o teu pai me contou que haverias de vir ao mundo daí a poucos meses. Nunca imaginei que o nascimento de um bebé pudesse transtornar-me tanto. Nesse dia lembro-me de ter chorado. De ter chorado muito. Tanto, tanto que terá sido o suficiente para não o conseguir voltar a fazer nos meses seguintes. À enxurrada seguiu-se um longo e árido período de seca lacrimal. Hoje, à distância dos anos que nos ajudam a entender mesmo as coisas que parecem não ter justificação, arrependo-me de cad